A
um dos posts abaixo, dei o título de Eram
mais de dez para narrar, principalmente, o lado cômico-patético da invasão da
nossa casa após o golpe militar de 1º de abril de 1964.
Esse
foi o título de um poema escrito por papai depois de 58 dias de cadeia. Retrata
bem o primeiro estágio da repressão, com perseguição generalizada,
aparentemente sem muita organização, mas que visava paralisar a sociedade;
gerar um medo coletivo; inibir a mais pálida contestação.
Nessa
perseguição cabiam figuras como o morador de rua Chico de tal, um dos
companheiros de cela de papai no Dops. O pobre Chico, analfabeto e com visíveis
problemas mentais, resolveu ganhar uns trocados com uns livros que encontrou na
rua ... e deu-se muito mal.
Se
a perseguição era generalizada, a tortura, ainda não. Existia, sim, como a
praticada contra Gregório Bezerra, arrastado em carne viva pelas ruas de
Recife, contra camponeses e operários e contra pessoas como o Chico. Mas eram,
digamos, “bolsões” de brutalidade. Cinco anos mais tarde, a tortura compunha um
método científico e institucional de terror e massacre dos que formavam a
resistência à ditadura.
Mas
voltemos a 1964 e à prisão de Mário Lago, como ele narrou no poema:
E ERAM
MAIS DE DEZ
Me
invadiram a casa toda
(e eram
mais de dez)
Me viraram
tudo nela
(e eram
mais de dez)
Me
cercaram o edifício
(e eram
mais de dez)
Me
impediram o elevador
(e eram
mais de dez)
Me
esvaziaram a calçada
(e eram
mais de dez)
Me
pensando de dar tiro
E eram
mais de dez, e eram mais de dez, e eram mais de dez, de dez.
Me meteram
em tintureiro
(e eram
mais de dez)
Me levaram
para o Dops
(e eram
mais de dez)
Me
enfiaram numa lancha
(e eram
mais de dez)
Me
largaram numa ilha
E eram
mais de dez, e eram mais de dez, e eram mais de dez, de dez.
Juntou dia
atrás de dia
(e eram
mais de dez)
Quando fez
cinquenta e oito
(e eram
mais de dez)
Me
voltaram para o Dops
(e eram
mais de dez)
Me botaram
numa sala
(e eram
mais de dez)
Me
sentaram e perguntaram
“O senhor
sabe por que a polícia o prendeu?”
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