quarta-feira, 29 de agosto de 2012

E A NOVELA CONTINUA



Hoje, com vocês,


o segundo capítulo do videodepoimento Eu, Lago sou. Aqui, Mário Lago lembra um pouco da infância e os primeiros passos nas artes. Tem participações especiais da atriz Bete Mendes, de Arthur Moreira Lima, interpretando o Hino do Fluminense, e do mestre eterno Francisco Alves, interpretando a canção Deslumbramento, de Antônio Lago, pai de Mário. 

O vídeo - cujo formato original foi uma realização da produtora Cenna Carioca, com roteiro de Nick Zarvos - tem como base depoimentos de papai ao MIS/ Museu da Imagem e do Som e ao Projeto Memória, da Rede Globo. O som nem sempre é bom, especialmente do depoimento ao MIS, mas quem vai reparar nisso, em um momento como esse?

E, na levada das lembranças, deixo uma estória (absolutamente real), cuja protagonista foi uma incrível mulher de verdade: D. Zeli, nossa mãe. Aí vai, exatamente como papai narrou no livro Meia porção de Sarapatel.

Era uma vez 1964
– Dona Zeli, telefone pra seu Mário. 

Zeli foi à casa da vizinha atender. Era uma quarta-feira de julho de 1964. Tempos embananados pra família... cadeia, demissão da Rádio Nacional... Ter telefone era uma coisa muito puxada ao luxo. Dependíamos da gentileza dos vizinhos que pudessem tê-lo. 

– O Mário está fazendo temporada de teatro em São Paulo. Quem está falando é a esposa dele. Quer deixar algum recado? 
– Aqui é o coronel Couto e Souza, encarregado do IPM da Rádio Nacional. 
– Sim...
– Seu marido tem que estar amanhã no Ministério da Guerra para prestar depoimento.
– Coronel... toda segunda-feira ele vem ao Rio para matar saudade da família e trazer dinheiro para as despesas da semana. Esse depoimento não poderia ser feito na segunda-feira próxima?
– Amanhã ao meio-dia, 3º andar do Ministério da Guerra.
– Mas coronel... amanhã é quinta-feira, dia de matinê... esses depoimentos costumam ser demorados. Meu marido não estando em São Paulo não poderá haver matinê e nem o espetáculo da noite.
– Não é problema meu.
– Pense bem, por favor. Não dando espetáculo, a companhia vai ter prejuízo.
– Já lhe disse que o problema não é meu, madame. É de seu marido. 

Isso era demais para os nervos de Zeli, que tem sempre o coração à flor dos lábios, tanto que a colega Vanda Lacerda a chama de índia. Rodou a baiana, com a maior dignidade. 

– Aí é que o senhor se engana, coronel. O problema é seu. Mande o II Exército prender meu marido e trazê-lo para o Rio. Eu não vou dar um passo. Os senhores já cometeram a violência uma vez, cometam a segunda. 

E desligou, não deixando tempo para qualquer palavra do lado de lá do fio.
Vinte minutos depois a vizinha veio novamente chamar Zeli. O coronel Couto e Souza queria falar com ela. 

– A senhora está nervosa, madame Lago.
– Razões pra isso não me faltam, mas não estou. Eu lhe expliquei uma realidade, dei uma sugestão. Se o senhor não quer atender, paciência. Quem está com as ordens é o senhor.
– Não desligue, por favor... Seu marido vem ao Rio na segunda-feira?
– Já lhe disse, coronel. Ele vem ao Rio todas as segundas-feiras. O senhor sabe melhor do que ninguém que ele foi demitido da Rádio Nacional. Nossa família é igualzinha à sua: precisa comer.
– Está bem...Então, avise a seu marido que segunda-feira ele deve estar aqui às 12 horas, no terceiro andar do Ministério da Guerra, para depor.
– Perfeitamente.
– À noite meu filho passa em sua casa para a senhora assinar a notificação.
– Sim, senhor. 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

SAUDAÇÕES ... E OLHO NA PROGRAMAÇÃO


O blog saúda o centenário do grande Nelson Rodrigues (salve 23 de agosto!)...

Na foto ao lado, no intervalo de ensaio da peça O Beijo no Asfalto. Nelson, o autor (de terno), conversa com o diretor Fernando Torres (de barba) e com Mário Lago, que interpretou o personagem Aprígio.





... o blog reaviva as memórias, lembrando que o show Nas águas do Lago estará no município de Bom Jardim, no Galpão Cultural Prof. Margarete de Jesus, no dia 26, às 20 horas. O ingresso custa ... NADA! É só chegar e aproveitar.

E avisa que a apresentação em Saquarema foi adiada para setembro, porque as obras do teatro não terminaram. Pena, mas o jeito é esperar a primavera!  

... e, finalmente, o blog convida vocês a começarem a acompanhar o doc. Eu, Lago sou, vídeodepoimento quase inédito, realizado em 2005 pela Cenna Carioca, com roteiro de Nick Zarvos. 

O vídeo original tem quase 35 minutos, mas reeditei em capítulos curtos, que passo a postar semanalmente. Neste "primeiro capítulo", Mário Lago conta a história do seu nome e apresenta uma versão em francês da valsa Dá-me tuas mãos, que ele compôs em 1939, em parceria com Roberto Martins. Mário traduziu a letra, na tentativa (vã, segundo ele) de conquistar um francesa em visita ao Brasil. Dê uma olhada: - http://youtu.be/Uzfbg-BhY-k

terça-feira, 14 de agosto de 2012

DO FUNDO DO BAÚ, E + 1 LEMBRANÇA

Vasculhando o meu precioso baú - que confesso ser de plástico; nada tem de especial, a não ser, é claro, o conteúdo -, encontrei um texto inédito de papai, ainda na fase de revisão, com anotações dele à caneta. Sob o título O Tamanho do Mundo, Mário Lago conta uma história em dois tempos.
Não sei se fazia parte de um projeto de livro ou se era apenas um exercício, que ele tinha o hábito e a disciplina de sentar diariamente frente à máquina de escrever (meninos, eu vi!) para forçar a inspiração, praticar a musculação mental que lhe garantiu lucidez e memória até poucos dias antes de morrer.
A maneira que encontrei de repartir com vocês a descoberta, preservando a sua forma original, foi salvar o texto em arquivo jpg, o que significa que terão que clicar nas imagens para conseguir ler. E tomara que esteja com boa resolução (o que só saberei depois de postar). Aí vai!

ATENÇÃO: descobri que é preciso clicar duas vezes em cada "folha" - o primeiro clic abre a página; o segundo, aproxima. Aí, dá pra ler tranquilamente.

 

 

Outra descoberta é uma foto que mostra, ao fundo, parte do imenso mural de colagens que papai ocupou-se meses ou anos em fazer. Com paciência de Jô, ele ia cortando cartazes, buscando a melhor solução para unir as diferentes partes, estudando as melhores combinações de cores e elementos. E ia colando em uma das paredes da sala do apartamento onde morávamos na Rua Bolívar, em Copacabana. Era um lindo e enorme painel colorido, ousadíssimo para os padrões vigentes de decoração.

Isso foi na década de 60, depois do golpe civil-militar que derrubou o governo de Jango Goulart. Desempregado pela ditadura, papai não conseguia ficar no ócio. O mural ocupou o seu tempo e a sua criatividade e revelou para nós uma inesperada vocação do velho para as artes plásticas. Mas ele parou por ali. A foto de Wilton Montenegro, nosso amigo de infância e vizinho, guardou essa memória. As modelos somos eu (a segunda, de frente para trás) e Vanda (a última da fila, de preto). Entre nós, duas amigas de cujos nomes não consigo lembrar (perdoem, é o tempo).

E, fechando o post, a lembrança: na sexta, dia 17, às 20 horas, tem show Nas águas do Lago.

Será no belíssimo Teatro Raul Cortez, em Duque de Caxias (olhem a foto abaixo). Entrada franca. Não vá esquecer! 

 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

MÁRIO LAGO 0800

Espetáculo gratuito relembra o autor de Amélia, Aurora, Nada além e outros sucessos. Você não pode perder. 
Depois de brevíssima parada, o show Nas águas do Lago - Causos e Canções de Mário Lago, promovido pela secretaria de Estado de Cultura e pelos Correios, retoma a sua turnê pelo Rio de Janeiro. A retomada começa pelo município de Duque de Caxias, no belíssimo Teatro Municipal Raul Cortez.
Nas fotos que estão no final desta postagem, você pode conferir detalhes da programação de agosto e conhecer cada local que receberá o show, que reúne músicas, poemas e histórias de Mário Lago.
O espetáculo conta com os talentos dos cantores Luiza Dionizio, Marquinhos China e Agrião e a batida sempre perfeita do grupo Tempero Carioca, formado por Serginho Procópio (cavaquinho e voz), Marcelo Pizzotti (pandeiro e voz), Evandro Lima (violão e arranjos), Marquinho Basílio (surdo) e Pelé (percussão). Em cena, Mariozinho Lago relembra algumas das muitas histórias vividas pelo pai e interpreta frases e poemas do artista.
O show faz parte do projeto Mário Lago, Homem do Século XX, iniciado em novembro de 2011, em comemoração ao centenário de nascimento do artista, e se estenderá até novembro deste ano. 
Mariozinho - filho caçula do homenageado e, ele próprio, compositor premiado e diretor e produtor cultural - participa do espetáculo como idealizador, roteirista, diretor e ator.
“É um show alegre, que relembra a obra do multiartista que foi papai. Ao longo de seus 90 anos de vida, ele construiu uma extensa e admirada carreira como ator, compositor, radialista, escritor, poeta, autor de teatro, cinema, rádio e TV, frasista, militante sindical e ativista político, que nós procuramos mostrar no palco”, revela Mariozinho.
Conheça a programação de agosto e ajude a divulgar!







segunda-feira, 6 de agosto de 2012

UMA CANÇÃO, UMA ESTÓRIA E UMA FRASE

Em 1985, Mário Lago contou alguns causos em seu livro Meia Porção de Sarapatel, uma coletânea de estórias, poemas, frases, poemas e exercícios de pensar.
Hoje, deixo pra vocês uma estória e uma frase.
Ah!, deixo também uma canção, recomendação do Mariozinho para o dia de hoje: Foi, de Adauto Santos e Mário Lago - http://www.youtube.com/watch?v=YJFjn7NtGkA

A estória:
O homem que inventou essa história de organização merece uma estátua bem no centro do mundo, toda em ouro, platina e brilhantes. A esse monumento deviam ser feitas anualmente romarias mais concorridas do que as feitas a Fátima, Juazeiro do Padre Cícero, Meca, Jerusalém e outros quaisquer pontos de concentrações religiosas.
E olhem que eu nem sou a pessoa mais indicada para dizer uma coisa dessas, pois sempre me orgulhei da condição de irresponsável bagunceiro para manter livros arrumados, roupa no cabide certo, seja lá o que for. Mas que maravilha se poder encontrar, mesmo depois de apagadas todas as luzes do mundo, o livro que se estava lendo na véspera, pois ele estará, sem a menor possibilidade de erro ou hesitação, na segunda prateleira da estante, terceiro a contar da direita. Os copos são sempre colocados no lado esquerdo do armário, em fila indiana, os de uísque entre os de água e as tulipas para a cerveja. A sandália que adere ao pé como se fosse pele não muda nunca de lugar: entre um par de sapatos sociais e um par de tênis. Maravilha das maravilhas!
Mas, às vezes, esse excesso de organização causa dificuldades quase intransponíveis, constrangimentos que a bagunça por certo não traria. Uma noite, em Moscou, por causa desses excessos, quase fiquei sem jantar.
Era novembro de 1957, período de festas comemorando o 40º Aniversário da Revolução Bolchevique. De um momento para outro, a cidade explodiu demograficamente por causa das delegações partidárias, convidados, jornalistas etc. Praticamente a população de vários países ocupando o espaço dos habitantes de uma cidade, embora cidade grande. Evidentemente, tudo precisava ser muito bem organizado, principalmente nos hotéis, todos eles lotados do hall ao último andar. No Hotel Ucrânia, onde eu estava hospedado, por exemplo, nunca se passava por uma dependência sem encontrar no mínimo dez chineses.
Os serviços de almoço e jantar deviam ser cuidadosamente controlados. Assim, no jantar de hoje, a gente encomendava o que ia ter vontade de comer no café da manhã e no almoço do dia seguinte; no café da manhã do dia seguinte, resolvia-se qual seria o prato comido com mais prazer na hora do jantar.
A praça dos tombos de Mário Lago
Convidado pelos colegas da Rádio de Moscou, um dia saí cedo do hotel e tomei o café da manhã na cantina da própria rádio. Ali, também almocei e, depois, fomos visitar o Museu do Kremlin, o túmulo de Lenine, o magazine Gum. Esticamos as pernas pela cidade, o que me deu chance para sete maravilhosos tombos no Parque Pushkin, pois, muito do brasileiro, arrisquei-me a caminhar na neve com os sapatos que tinha levado daqui e, a todo instante, eram escorregões que faziam a alegria da garotada que estava no parque brincando de esquiar. À noite, fui ao Bolshoi e, quando voltei para o hotel, quis jantar.
Aí, começou a inana.
– Desculpe, mas não podemos servir.
– Como?
– O senhor não escolheu o cardápio para o jantar.
– Ah, é mesmo. Eu não tomei o café da manhã nem almocei aqui no hotel... Mas isso não é problema, eu pago o jantar.
– Não podemos receber.
– Como não podem?
– O senhor é convidado para os festejos, não pode pagar a refeição.
– Ah, sim... mas isso também não é problema. No jantar de ontem ,eu encomendei o almoço de hoje, não foi?
– Sim.
– Então, traga o que eu encomendei para o almoço. Que tal a ideia?
– Não podemos servir o cardápio do almoço.
– Ora essa...
– Agora estamos na hora do jantar, as contas do almoço já foram encerradas.
Aquela conversa ameaçava transformar-se numa dízima periódica. O garçom não abria mão do regulamento, minha fome não permitia que eu fizesse concessões. Nunca chegaríamos ao acordo ideal de um número inteiro. Felizmente, apareceu o Volódia, um dos gerentes, siberiano de quase dois metros de altura, engolidor de duas garrafas de conhaque por noite sem o menor desequilíbrio de gestos nem vermelhidão de rosto. Ele tinha trabalhado alguns anos na Embaixada da União Soviética no Uruguai, conhecia como a palma da mão essas turbulências meio anarquistas da sud-americanidad, no dizer do Silveira Sampaio. Calmamente, mostrou ao garçom a maneira de melhor resolver toda aquela embrulhada.
– O camarada paga o jantar, nós lhe damos um documento declarando que esta refeição foi paga. Amanhã, ele recebe de volta o dinheiro que vai pagar hoje e nos dá um recibo de quitação. É apenas uma troca de documentos. Tão simples.
A frase:
O que atrapalha a vida são os sinais de trânsito.