A primeira prisão de Mário Lago aconteceu no dia 21 de janeiro de 1932, uma quinta-feira. A proximidade do carnaval (que eram apenas três dias, começando no 7 de fevereiro) mobilizava a imprensa carioca. Naquele ano, haveria a primeira competição entre as escolas de samba, na Praça Onze, em concurso promovido pelo jornal Mundo Sportivo, do jornalista Mário Filho. A Estação Primeira de Mangueira seria a campeã.
Papai ainda engatinhava nas artes. O que o mobilizava mesmo era a política. Tinha 20 anos, estudava Direito e militava na Juventude Comunista. Foi detido após um comício em frente à Fábrica Mavilis, construída na Ponta do Caju em 1909, no rastro da grande expansão da indústria têxtil no Rio de Janeiro, e adquirida em 1911 pela gigante América Fabril.
A semana tinha sido de intensa atividade nas portas de fábricas, em comícios que marcavam a Semana dos 3 Ls – em homenagem a (Vladimir Ilitch) Lenin, líder comunista e chefe de estado russo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), morto em 21 de janeiro de 1924, e (Rosa) Luxemburgo e (Karl) Liebknecht, dirigentes do Partido Comunista da Alemanha, assassinados em 15 de janeiro de 1919.
Ao ser preso, levava consigo “bandeiras de pano vermelho com dizeres subversivos”, como registra o Termo de Declaração, assinado pelo delegado João Coelho Branco, da 4ª Delegacia Auxiliar.
No livro Meia porção de sarapatel, Mário recordou:
“Enquanto não chegava o tintureiro que me levaria para a 4ª Delegacia Auxiliar, posteriormente rebatizada com o nome de DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), fui deixado numa sala de um quartel ou hospital militar, não recordo ao certo, pois o atarantamento do primeiro instante me fez esquecer de perguntar onde estava.
Era a primeira prisão. Embora tanta coisa já lida e ouvida sobre como deve ser o comportamento de um preso político, os sustos e preocupações dançavam em minha cabeça numa ciranda infernal e quase aterradora. Que perguntas seriam feitas pelo Serafim Braga e o Emílio Romano, cães raivosos da repressão daquela época? Acreditariam quando eu dissesse que ignorava o que eles queriam saber? Resistiria, se as perguntas se transformassem em espancamento? E até que ponto iria minha resistência?
Estava completamente perdido nesse cipoal de receios e angústias quando um sargento parou diante da porta, olhou atentamente para os lados e, depois, falou tão baixo e ligeiro que eu mais adivinhei do que realmente ouvi:
-Se você tem algum papel, rasgue e ponha na latrina... aquela porta ali. Eu fico de espreita. Cuidado pra não entupir o vaso.
Mal abri a porta do banheiro, ao voltar, ele se retirou, não me dando tempo de agradecer a ajuda ou perguntar como se chamava. Nunca mais encontrei aquele homem. Mas sempre que vejo um pássaro voando lembro-me dele. O bater das asas é como um gesto amigo: alarga o céu.”
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Papai não ficou muito tempo preso. Mas, ao ser solto, foi ameaçado de morte e conduzido por policiais até a fronteira com o Uruguai, onde viveu dois meses clandestinamente.
Na volta ao Brasil, começou a ganhar corpo o Mário Lago que se tornaria conhecido em todo o Brasil – uma bem casada mistura de militante, artista e boêmio. Ainda em 32, ele entrou para o Cordão da Bola Preta, um dos mais populares do Rio, para o qual fez o hino "Braço é braço", em parceria com Nelson Barbosa (também autor da célebre “Quem não chora, não mama”).
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TERCEIRO ESQUETE
A primeira prisão também serviu inspirou esquetes políticos que Mário Lago escreveu talvez para uma peça nunca finalizada, em que narrava interrogatórios a que ele ou companheiros foram submetidos após o golpe de 1964.
Ao esquete!
Inquiridor (tira uma folha de papel da gaveta da secretária e a lê com atenção. Após um tempo, olha demoradamente para o Inquirido, como para constatar se o jogo de pisca-pisca continua dando coluna do meio. Volta à leitura, torna a olhar para o Inquirido, e lê e olha, repetindo a ação umas seis vezes. Finalmente fala, dando a impressão de que aquela folha de papel é uma lâmpada de Aladim a desvendar os segredos mais escondidos) – Seu Mário Lago, o senhor foi preso em 1932.
Inquirido (aliviado da preocupação com aqueles olhos tantas vezes demorados sobre ele, o que até o levara a pensar que a tal folha de papel fosse uma carta de Stalin ou mesmo de Lenin, e por que não?, fazendo dele o Apóstolo Vermelho que iria pregar aos incréus) – Coronel, nós estamos em 64... uma coisa acontecida em 32...
Inquiridor – Vinte e um de janeiro, perto da América Fabril
Inquirido – Ah, sei...
Inquiridor – Depois de um comício.
Inquirido – Não foi bem assim, coronel.
Inquiridor – Está na sua ficha.
Inquirido – Eu estava esperando minha namorada, que era operária lá.
Inquiridor – Ora, seu Mário! Em 32 o senhor era estudante de Direito, frequentava as rodas de teatro, boas mulheres à disposição... Namorando uma operária?
Inquirido – Naquele tempo podia.
(Pano rápido)
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