quinta-feira, 12 de abril de 2012

UM BRINDE A LOUZADINHA

(licença para um post longo, que vou contar uma longa história)

Hoje, palmas para Oswaldo Louzada, o queridíssimo Louzadinha! Foi um dos grandes atores brasileiros, nem sempre reconhecido como deveria. Era o mais antigo e próximo amigo de Mário Lago.
Carioca, filho do célebre iluminador Cadete (engenheiro-eletricista Guilherme), Louzadinha nasceu no dia 12 de abril de 1912 e bebeu da fonte da arte desde bebê - morava em um conjunto residencial anexo ao Teatro Recreio, no Rio, que frequentava como extensão da sua casa. Na adolescência, queria seguir a carreira paterna. Chegou a matricular-se no curso de iluminação do Teatro de Brinquedo, criado por Eugênia e Álvaro Moreyra, mas, ali, rapidamente descobriu-se ator. E estreou nos palcos aos 18 anos, na Companhia Belmira, na qual já trabalhava seu irmão, o ator Armando Louzada (autor da versão da música Fascinação - "os sonhos mais lindos ..."). Pouco depois, Louzadinha já era convidado por Joracy Camargo para integrar o elenco de Cortesão e companhia, e arrancava gargalhadas ao contracenar com Dulcina de Moraes.
Participou de vários filmes históricos, como Alô, alô Carnaval, de Ademar Gonzaga, de 1936, e Moleque Tião, de José Carlos Burle (1943), com Grande Otelo no papel-título, primeiro grande sucesso de bilheteria da Atlântida. Foi no cinema, aliás, que conquistou o seu primeiro prêmio, concedido pela Associação de Críticos Cinematográficos, como Melhor Ator de 1955, por seu trabalho em Mãos sangrentas, de Carlos Hugo Christensen. Um ano depois, estreava em TV, no programa Câmera um, de Jacy Campos, na Tupi.
Mas foi no teatro que mais se destacou - conquistou o prêmio da Associação de Críticos Paulistas, em 1958, por sua atuação em A alma boa de Setsuan, de Bertold Brecht, dirigido por Flamínio Bolloni, e o disputado Prêmio Molière, em 1973, por sua espetacular interpretação do bêbado Carrapato, na peça Botequim, de Gianfrancesco Guarnieri, dirigida por Antonio Pedro Borges (no seu aniversário de 90 anos, brindou os amigos e frequentadores da Fiorentina com a reprodução de todo o monólogo final da peça, em um mais um show de interpretação).
Na TV, principalmente na Globo, participou de centenas de novelas, minisséries, programas de humor. Foi o mais longevo ator da “telinha” - aos 91 anos, comoveu o país com o seu desempenho na novela Mulheres apaixonadas, ao lado da atriz Carmen Silva (na foto, juntos com Regiane Alves). Seu último trabalho em TV foi em 2005, no seriado Sob nova direção, três anos antes de morrer.

Lembranças
Louzadinha e papai se conheceram ainda na década de 1910, nas salas do Teatro Recreio, onde vovô (Antônio Lago), maestro e violinista famoso, frequentemente se apresentava. A família Louzada ocupava uma das quatro casas que o teatro mantinha para os seus funcionários. (Louzadinha contava: “O nosso quintal era o Morro de Santo Antonio, que não era habitado. Ali, a gente apanhava manga, banana... Só tinha o convento, lá em cima. Nossa casa era invadida diariamente por borboletas”.)
Papai, garoto, muitas vezes acompanhava vovô ao teatro. Louzadinha vivia ali. Um sabia quem era o outro, mas não eram amigos, A amizade se estreitou a partir de meados da década de 1920, quando se tornaram vizinhos na Rua dos Inválidos, na Vila Ruy Barbosa, que era praticamente um bairro, alcançando várias ruas, e onde também morou o maestro e compositor Villa-Lobos.
Em entrevista à jornalista Isa Cambará, em 2004, Louzadinha recordou algumas passagens dessa convivência com papai:

A amizade - Estávamos sempre juntos, menos na hora da escola. Uma turma organizou um time de futebol e jogávamos à noite na Praça Tiradentes, que ainda não era asfaltada. Quando chovia, era uma lamaceira. Ficávamos imundos e sempre levávamos bronca ao chegar em casa. A gente costumava ficar conversando até tarde na porta de casa, sempre tinha assunto. Eu queria o Mário como se fosse meu irmão. Foi uma convivência muito grande. Era amigo fiel, líder nato, poeta nato, músico nato.
Boemia - Desde adolescentes, íamos muito a bailes. O Mário era Fluminense doente e sempre ganhava convites para os bailes do clube, que eram frequentes. Quando fizemos idade para entrar em cabarés, viramos frequentadores assíduos ... havia o Assyrius, no subsolo do Theatro Municipal, também o Maxime, no porão do Theatro Casino, no Passeio. Houve uma época, em que eram sempre os mesmos, todas as noites: eu, Mário, Paulo Gracindo, Custódio Mesquita e Walter Pinto, que nem sonhava em ser empresário e diretor de teatro de revista - era conhecido somente por ser o filho do empresário do Teatro Recreio, Manoel Pinto.  Eu e Mário gostávamos também de ir à Leiteria Bol. Só deixamos de sair todas as noites por um curto período, em que Mário arranjou um emprego público em Niterói e tinha que acordar cedo. Mas não durou muito tempo. 
Política - Eu e ele nunca tivemos divergências, discussões, mesmo sobre política. Pensávamos diferente, eu não concordava com ele, mas nunca tivemos divergências. Um respeitava o outro. Eu tinha admiração pela fidelidade dele às suas idéias. Mário assumiu ainda muito jovem, adolescente, ser de esquerda. Já entrou no Pedro II, por exemplo, organizando uma greve dos alunos.
Carreira coincidente - Na vida artística, houve uma coincidência “gostosa” de estarmos sempre juntos. Por exemplo, quando Mário estreou como autor - ele escreveu a peça Flores à Cunha, para mexer com o Flores da Cunha, político - eu já era da companhia do Joracy Camargo e participei do espetáculo.
Depois, o Joracy convenceu o Mário de que ele deveria ser ator também, e fizemos muitos trabalhos juntos, fizemos muitas viagens, excursionando. Fomos a cidades onde não tinha nem luz elétrica, só o teatro tinha gerador próprio. Em uma dessas viagens, o trem parou num lugarejo e ficamos ali por uma meia hora. Eu e Mário descemos e fomos olhar uma “pelada” de garotos. Houve um pênalti e, em seguida, uma discussão sobre quem iria bater o pênalti. O dono da bola disse que bateria ou então o jogo acabaria, porque ele iria para casa, com a bola. Os demais garotos tiveram que aceitar. Naquela noite, Mário escreveu o poema O dono da bola.
Em 1944, Oduvaldo Vianna montou em São Paulo a Rádio Panamericana, que hoje é a Jovem Pan. Do Rio, fomos eu, Mário, que ia estrear em rádio, Luiza Nazaré e a filha dela, a Alair, de quem eu era noivo. Fazíamos de tudo na emissora. Um dos programas era escrito, montado e dirigido pelo Mário, Brasil em tempo de valsa. Além dos cantores e cantoras da casa, sempre tinha uma atração, como Vicente Celestino e o irmão dele, Pedro, o Carlos Galhardo, Francisco Alves... Devido ao grande prestígio do Oduvaldo Vianna, o Vítor Costa, da Radio Nacional, permitia que seus contratados participassem do programa. Eu e o Mário apresentávamos, falando sobre o autor da valsa, sua vida, sua carreira. Era um programa de muita aceitação.
Havia também um programa infantil, no domingo, Soldadinhos da alegria, do Mário, e um teatro de mistério, escrito pelo Dias Gomes, com dois personagens fixos: o delegado, interpretado pelo Mário, e o foca do jornal, atrapalhado, vivido por mim. Um dia, chegamos para fazer o programa e disseram que a censura tinha proibido. O Dias, que também dirigia, decidiu que ia pro ar, com a desculpa de que a ordem da censura só teria chegado depois de iniciado o programa. Mas, no meio, chegou a polícia e passou a bater em todo mundo. Eu, que era muito magro, fugi pela janela do banheiro para o teto da casa vizinha. Mas, os demais, Mário inclusive, foram presos e apanharam. Só no dia seguinte, o Oduvaldo Vianna conseguiu soltá-los.
Da Panamericana, voltamos para o Rio, mas o Mário, para a Rádio Nacional, e eu, para a Tupi. Só anos mais tarde, voltamos a trabalhar juntos, já na TV Globo, começando pela novela O homem proibido.
Amélia, a mulher de verdadeMário cantou pela primeira vez, pra mim numa noite, quando estávamos sentados na porta de casa.  Achei ótimo, mas ele e o Ataulfo (Alves) não encontravam quem quisesse gravar, porque achavam que não era música carnavalesca. Aí, o Ataulfo gravou, mas ainda não tinha nome como cantor. Por isso, Mário e ele bolaram uma forma de divulgar - cada um de nós ia para um bar que tivesse uma máquina de Juke Box (toca-disco) e, de combinação com o dono, em geral, amigo, ficava colocando o disco (repetindo a faixa). Eu fui para um bar na Praça 11, que tinha sinuca, e as pessoas logo gostaram da música. Fazíamos esse trabalho à noite. Durante o dia, Mário e Ataulfo corriam as estações de rádio. E foi a música que pegou no Carnaval.
Confere
Além de “tio” adotado, Louzadinha foi também pra mim um grande amigo e companheiro de boemia e bailes (dançava que era uma beleza!). E tinha um jeito especial de marcar presença.
Já na altura dos 70 anos, ele, papai, Paulo Gracindo, Dias Gomes e Enio Santos (se a memória não me escapa) criaram a cerimônia do “confere”, que consistia em se telefonarem para conferir se continuavam vivos - “Louzada? Aqui é da mansão dos Lago fazendo o confere.” “Gracindo, é Louzada para o confere”. E assim por diante, no maior bom humor.
No final, restaram só papai e Louzada, mantendo a tradição. No final ...
Eu estava na agonia de fechar a mudança do apartamento onde a família morou por 30 anos; a dor da perda misturada à raiva (a proprietária pediu o imóvel uma semana depois de papai morrer) e à agonia sobre o que fazer com o acervo do velho, as memórias encaixotadas etc. - reações emocionais fortes batendo de frente com as inevitáveis urgências operacionais. E o telefone toca; é pra mim: É da mansão dos Lago? Aqui é Louzada, fazendo o confere.”
Um brinde, Louzadinha! Valeu, companheiro! Que você e os meus guardem um bom lugar pra mim, mas sabendo que pretendo chegar bem atrasada; não tenho qualquer pressa.

Leia mais sobre a carreira de Oswaldo Louzada:

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