sábado, 21 de julho de 2012

NÃO ESQUEÇAM JAMAIS


Hoje, vendo o excelente O Som do Vinil*, do Charles Gavin (Canal Brasil, sextas, às 21h30), tomei um baita susto quando um dos entrevistados afirmou que a ditadura instalada no Brasil em 1964 não perseguiu artistas e intelectuais em seus primeiros anos; o seu foco seria outro. Tomei o susto e me dei conta de que um dos episódios mais esquecidos do golpe é o da Rádio Nacional.
Paulo Gracindo (de perfil) e Luiz Gonzaga (atrás do microfone) no auditório da Rádio Nacional
Instalada na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, edifício A Noite, a Nacional era um portento! Tinha o maior elenco de artistas do país, entre autores, atores, atrizes, músicos, cantores, maestros, diretores, produtores, contrarregras, figurinistas (havia programas de auditório, ao vivo, lembrem-se!). Mantinha uma quantidade enorme e diversificada de programas da maior qualidade. Havia desde os popularíssimos programas de auditório e radionovelas a programas culturais e um excelente radiojornalismo. Era campeã absoluta de audiência.  
Obviamente, a emissora (que papai chamava de “a Rádio”, como se não houvesse outra) também era referência nas lutas sindicais. A regulamentação da profissão de radialista deve muito à força de trabalho (e de pressão) da Nacional.
 Ficha policial de Mário Lago, na prisão em 2 de abril de 1964
Todo esse patrimônio foi atacado e arrasado logo nos primeiros dias do golpe (1º de abril de 1964, pelo amor dos deuses! Não é 31 de março, como os militares impuseram depois). O governo militar usou o seu primeiro Ato Institucional para afastar 66 profissionais da Rádio Nacional. Alguns foram presos imediatamente após o golpe (como Mário Lago, que ficou 58 dias encarcerado, passando pelo DOPS, pelo presídio da Ilha das Flores e pelo Presídio Fernandes Viana). Da programação, quase nada restou.
Foi instaurado um Inquérito Policial Militar/ IPM só para investigar a atuação política dos empregados da emissora, com interrogatórios seguidos de atores, autores, cantores etc. A sala do IPM funcionava dentro da Rádio Nacional!
Trinta e dois empregados foram demitidos pelo que chamava-se então de “atividades subversivas” (embora nenhum deles tenha conspirado contra o governo de João Goulart, legitimamente constituído, o que caracteriza a subversão). Entre os demitidos (não encontrei a lista completa na internet!), figuraram Mário Lago, Dias Gomes, Gerdal dos Santos, Heitor dos Prazeres, Hemílcio Fróes, José Gomes Talarico, José Luiz Rodrigues Neves (o Jararaca, da dupla Jararaca e Ranchinho)¸ Mario Brasini, Marion, Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), Gracindo Júnior, Wanda Lacerda, Teixeira Filho, Paulo Roberto, Jorge Goulart e Nora Ney (vejam que espetáculo a Nora cantando Ninguém me ama, de Antonio Maria e Fernando Lobo -  http://www.youtube.com/v/UuKvIS5RlY8&fs=1&source=uds&autoplay=1 ).
A violenta investida contra a Rádio Nacional destruiu a emissora. Foi uma ação deliberada da ditadura, direcionada contra a produção cultural de maior impacto popular que havia no país. Isso não pode ser esquecido.
 
* o tema do programa O Som do Vinil foi o disco Opinião, que registrou o célebre, inovador e contestador espetáculo musical Opinião, de Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, dirigido por Augusto Boal. O espetáculo foi o primeiro grito cultural contra a ditadura e reuniu, no palco do Teatro de Arena, Nara Leão (mais tarde, substituída pela estreante Maria Bethânia), Ze Ketti e João do Vale. Para lembrar ou conhecer, ouçam:


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