quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

ME INVADIRAM A CASA TODA, E ERAM MAIS DE 10

Em entrevista ao site Vermelho, nosso irmão mais velho, o Henrique (também conhecido como Nal, em família; Laguinho, no movimento estudantil e militância; ou Lago, nas redações), lembra o ambiente em que fomos criados:
A porta da casa de papai estava sempre aberta. Dolores Duran ia lá mostrar músicas. Carlos Marighela ia lá discutir coisas do PCB. Meus amigos e companheiros de militância política iam lá conversar. Era assim desde que me entendo por gente.”



É fato. A nossa casa tinha essa incrível particularidade de estar permanentemente de portas abertas, literalmente, dia e noite. Não se passava chave nas portas; era um hábito. Talvez herança dos costumes suburbanos de mamãe, D. Zeli, nascida e criada em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio.
Foi assim por onde passamos, Rua Conde de Bernadotte (Leblon) e toda a série de Copacabana - Rua Barata Ribeiro, Rua Bolívar, Rua Bulhões de Carvalho, Rua Gomes Carneiro, Rua Júlio de Castilhos ... bastava empurrar a porta e entrar.


O hábito rendeu um dos mais hilários casos da família, embora o motivo não tivesse a menor graça. No dia 2 de abril de 1964, um dia após o golpe militar, a repressão invadiu a casa, para prender papai e nosso avô materno (o dirigente comunista Henrique Cordeiro). Vieram com tudo, grande aparato, muitos homens, muitas armas. Fecharam a rua (Bolívar), bloquearam a entrada do edifício (n° 86), ocuparam sorrateiramente os pontos estratégicos. A porta dos fundos do apartamento (302) era, obviamente, um dos alvos principais. E, assim, foi devidamente cercada. Mas, ao sinal de: “AVANÇAR!”...
Acontece que a porta-alvo (sem tranca!) ficava exatamente em frente à porta do quarto de empregada; as duas separadas por um pequeno hall de um metro e meio de largura, se tanto. Dá pra imaginar o que aconteceu quando uns 10 homens armados se lançaram sobre o tal alvo? Estabacaram-se no chão do quarto, caindo uns sobre os outros, como em filme de pastelão.
Diante do incontido riso de minha mãe, um policial ainda perguntou tentando manter a pose:
- A senhora não tranca a porta?
- Nunca.
- E não tem medo da casa ser invadida por ladrões?
- Até hoje, não tinha sido.

Curiosidade - Quando nos mudamos para a Rua Júlio de Castilhos, em Copacabana, a fechadura só abria por dentro. Para abrir por fora, só com chave. Deu-se um jeito. A porta ficava em uma parede de tijolos de vidro. Não sei qual de nós (parece coisa do Kakalo) quebrou o que ficava ao lado da fechadura. Ao chegar, era só enfiar a mão e girar a fechadura. Adeus, chave!    

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